domingo, 25 de setembro de 2016

O que minha sensei amiga me ensinou...


[Foto de 20 de agosto de 2014, durante lançamento do livro "Horas Sombrias", primeiro livro em que a Marcia publicou, e em que nós publicamos juntos; exatamente dois anos do derrame que conduziu à sua partida.]

A Marcia-sensei podia ter sido só mais uma professora de japonês que me deu aula, num mês intensivo de curso diário, em 2010. Mas ela acabou também se tornando uma de minhas melhores amigas, sensível apoiadora e entusiasmada escritora. Tenho a honra de tê-la estimulado a parar de esconder sua criação literária e publicá-la em livros. Colaborativa e coletivamente, como também comecei, primeiro nas antologias da editora Andross.
Conservo o e-mail que ela me enviou, há dois anos e meio (09/03/2014), pelo qual tive o primeiro contato com sua literatura: “Oi! to te mandando só um conto, como amostra do que saiu da minha mente... Será que vale a pena correr atrás de uma publicação?... bj”. Tratava-se do conto “Anjo das Trevas, Anjo de Luz”, que ela inicia com uma epígrafe fazendo referência a “vestes brancas” e “grande tribulação”. O que para mim simboliza a pureza de alma da sensei [professora, em japonês] que conheci, e das dificuldades pessoais pelas quais ela passou e comigo compartilhou.
Respondi no dia seguinte: “Caramba! Manda esse conto para a antologia de terror "Horas Sombrias", a sucessora da "Mentes Inquietas"! Muito legal! Mesmo eu meio avesso a coisas religiosas, não importa... esses elementos foram trabalhados de forma dramática em sua história, não ficou forçado, mas sim natural. Criou um drama e horror muito forte. Fiquei boquiaberto. […] Parabéns! :)” E ela dizia que eram “só textos pra aliviar a tensão”, como tudo o que ela escrevia tinha elementos autobiográficos.
Já no mês seguinte, exatamente no dia de lançamento de meu primeiro romance (26/04/2014), outro e-mail dela dizia: “sonhos eu tenho um monte! Vendo vc se realizar, eu me sinto super encorajada, sabe?” Como é belo ver essa conexão artística fraterna que ela sentiu comigo. Ela nos deixou cedo e de repente, mas também deixou lições de humildade, esforço e companheirismo.
Seja me apoiando amiga e dando forças na época de minha mais sombria depressão; incentivando-me com o próprio exemplo dela a progredir nos estudos de Letras, ainda que tardiamente e que minha primeira faculdade não tenha sido nessa área (ela se formou primeiro em Design, para depois se formar em Letras Português/Japonês na USP); incluindo-me neste grupo de escritores que agora a homenageia; e até mesmo retirando por solidariedade a própria participação de conto dela em mais um livro em que teria publicado, apenas porque o organizador me destratou.
Para finalizar, seu último ato para mim foi que, em 19/08/2016, na véspera do derrame que a tirou de nós, me escreveu pelo Facebook só pra dizer que a camiseta com a arte que pintei e ela tinha comprado — uma para ela e outra para a sobrinha — estava trazendo efeitos, pois a amiga com quem tinha almoçado afirmou ter se sensibilizado com o porquinho “kawaii” [fofinho] desenhado e então não comeu carne nesse dia. “Isso significa que a mensagem que você quis passar funcionou e muito!”, analisou ela. E concluiu: “eu fiquei feliz! J achei justo contar isso pra vc”. Obrigado, sensei.

Maurício Kanno
21 de setembro de 2016 

(Texto escrito exatamente 1 mês após a partida dela, produzido especialmente como prefácio do livro "Marcia - Contos e Poemas de Marcia Miyasaki", a ser lançado no evento Livros em Pauta, em 8 de outubro de 2016.)