sábado, 15 de agosto de 2009

A transformação de uma peixa japonesa e uma sereia em humanas na animação

(20/02/09) O que dizer de um peixe, ou mais propriamente, uma peixa, que deseja, com todas as suas forças, virar humana? E ela de fato se transforma. Tudo isto para ficar junto de um menino humano da superfície. Esta é a idéia principal de Ponyo (2008), o último filme do consagrado cineasta de animação japonesa Hayao Miyazaki. O nome original é Gaku no ue no Ponyo, o que significa algo como “Ponyo no alto do penhasco”.

A idéia não é nova. Apesar de ter ficado famosa no cinema com A pequena sereia (1989), dos estúdios Disney, há também uma versão de filme francês (1980), russo (1976), tchecoslovaco (1975) e também outra animação japonesa (1975). Todas baseadas em história original escrita por Hans Christian Andersen (1805-1875), escritor dinamarquês famoso por seus contos de fadas.

As diferenças principais são que, ao contrário de a protagonista no original e no filme Disney ser uma sereia, ou seja, uma criatura metade humana, metade peixe, que vive no fundo do mar; na versão de Miyazaki ela é uma peixe mesmo. Além disso, em Disney, ao invés de a relação se dar entre jovens, o que gera um apelo explicitamente romântico; no filme, a relação se dá entre crianças, criando assim um clima de amizade pura e inocente mesmo.

No entanto, que mensagem passa, afinal, essa dedicação tão forte em essas garotas, sejam peixe ou sereia, virem para o lado de cá, dos humanos? Largarem mão de toda a sua vida lá e virem pra cá?

O que mais deve transparecer em uma análise crítica, claro, é a de superioridade que a espécie humana se arroga sobre os outros animais. Na história, é o animal, ou meio animal, que necessita se transformar em humano; e não o contrário. Isso não parece positivo. É uma supervalorização do mundo humano.

Contexto, dominação e valorização de classes

É importante lembrar também do contexto da história original: Andersen viveu no século XIX na Europa, a época do imperialismo das potências européias sobre os continentes africano e asiático. Qual era o discurso que legitimava toda essa invasão? Levar o “progresso técnico-científico” para os povos “sem cultura”, “não evoluídos”. Aliás, o Japão também foi potência imperialista. Assim, pode haver uma comparação destes povos com os imaginários “meio-animais”, que também ficariam admirados com o “mundo superior”.

Ressalte-se que as personagens peixe ou sereia fazem todo o esforço do mundo, usam magia e tudo o mais para alcançar seu objetivo. Isso também demonstra uma força de vontade fenomenal tanto das personagens femininas como animais.

De qualquer modo, podemos deixar de lado a questão de superioridade humana citada, para destacar mais a questão da amizade entre mundos. Nós somos humanos, e o filme é dirigido para nós. Seria talvez difícil o público entender tão bem a história se a amizade se passasse entre peixes. O enfoque que dá Miyazaki à amizade entre seres de universos diferentes é belíssima. Tumultuada, desesperada, encantada e transcendente.

A história tem muita magia envolvente, cheia de ondas e peixes gigantescos, tsunamis, a coragem da mãe durona do garoto, entre outros encantos que se dão bem com o estilo de desenho colorido e denso de Miyazaki. Este autor, diretor do Studio Gibli, tambem produziu Viagem de Chihiro (2001) e O Castelo Animado (2004), conhecidos no Brasil.

No Brasil, ainda deve estrear entre junho e outubro de 2009. Será bom poder assistir em português. Por mais que tenha sido possível pegar uma idéia geral da história em japonês no Japão (sem legendas em inglês), não foi assim tão simples entender, apesar de desfrutar o original em primeira mão...


[Originalmente publicado como Artigo 8 para a ANDA (Agência de Notícias de Direitos Animais) em 20/02/09; como minha coluna saiu do ar lá por um tempo, apesar de agora retornar aos poucos, em dupla, republico aqui, no momento em que "Ponyo" está como um dos 10 "trending topics" do Twitter]

Nenhum comentário: