quinta-feira, 27 de março de 2008

Respostas sobre direitos animais e vegetarianismo a um pesquisador de Biologia

Estas são respostas que dei ao pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP Beny Spira, em seu blog na rede Stoa da USP. Mas é claro que também podem ser interessantes para outros que tenham suas dúvidas quanto aos temas tratados.

1) Ciência: Eu só decidi me tornar vegetariano a princípio quando me dei conta de que muitos vegetais precisam ser sacrificados para a criação e abate de um único animal para a alimentação humana. Este foi o gatilho inicial, acho (sem saber nada sobre "direitos animais"). E isto é plenamente científico, a gente estuda até no cursinho em Ecologia, em cadeia alimentar.

Se você não faz muita distinção entre os animais que não são humanos e os vegetais, apesar de serem de reinos distintos, como eu também não fazia diferença na época... talvez aceite melhor este argumento ecológico, assim como eu tinha aceitado melhor.

Quanto às questões éticas em si, se deseja desqualificar uma teoria ética de direitos animais como as dos filósofos Tom Regan e Gary Francione como não científica, então você precisa justificar-se dentro das regras do campo da Filosofia Ética. Ela não é uma "ciência dura" como a Física e a Biologia, mas segue algumas normas, tais como:

-Não cometer falácias (erros de construção lógica em argumentações),
-Princípio da não-contradição,
-Princípio da universalizabilidade (todo debatedor que atribui valor moral ou obrigações éticas a um caso tem que estar disposto a afirmar o mesmo para todos os casos que se assemelhem ao caso dado nos aspectos relevantes,
-Princípio de generalização (quem se propõe a tratar um indivíduo A diferentemente de um indivíduo B é obrigado a dar uma justificativa para isso, ou determinar a diferença moralmente relevante entre A e B).

2) Em termos de nutrição, o que me basta defender aqui é que é possível ter uma vida saudável sendo vegetariano, e eu e diversos conhecidos são exemplo prático disso. Ainda assim, todo cidadão que opta pela dieta vegetariana como eu, antes de fazer isso e depois, se informa sobre os possíveis problemas que PODE ter (e não certamente ou provavelmente terá), como anemia por carência de ferro, e verifica os alimentos a recorrer com mais frequencia.

Isso faz parte da educação nutricional que todo cidadão deve ter, de acordo com suas opções alimentares. Tão conscientes estamos disso, que no jornal vegano que ajudei a fundar, o Salva-Vidas, o primeiro texto relacionado à nutrição explica como otimizar o ferro em uma dieta vegetariana.

De todo modo, mesmo o ferro oriundo de fontes vegetais sendo de menor biodisponibilidade a incidência de anemia ferropriva dentre os vegetarianos é SIMILAR à dos onívoros, como você pode consultar nas seguintes referências:

(A) Messina MJ, Messina VL. The Dietitian's Guide to Vegetarian Diets: Issues and Applications. Gaithersburg, MD: Aspen Publishers; 1996.
(B) 31. Larsson CL, Johansson GK. Dietary intake and nutritional status of young vegans and omnivores in Sweden. Am J Clin Nutr. 2002;76:100-106.
(C) Ball MJ, Bartlett MA. Dietary intake and iron status of Australian vegetarian women. Am J Clin Nutr. 1999;70:353-358.

3) Ética do leão: Não é válido fazer comparações entre nossas atitudes e as atitudes de outros animais, como um leão, pois ele de fato não tem opção para sua sobrevivência (se minha única fonte de alimento possível fosse carne, claro que eu também comeria). Além de o leão ser muito mais instintivo que o ser humano (que também é parcialmente instintivo). O ser humano tem opção de agir por decisões não puramente instintivas. Caso contrário, não haveria civilização.

4) Consciência: Na mesma linha de Tarsila, posso responder que me parece que uma vaca (ou um cão ou gato, que não lhes diferem muito e estão muito mais em nosso convívio; ou ainda camundongos, que estiveram no seu convívio de laboratório) tem consciência da mesma maneira que me parece que um outro ser humano tem consciência. Eu não posso ler a mente de nenhum deles, seja humano ou não, mas de acordo com a maneira como este outro indivíduo age, me parece que ele ficou irritado, contente, está com medo, etc.

5) A capacidade intelectual de um indivíduo, como para capacidade de escrever um blog, é relevante para se decidir se ele merece ou não respeito a direitos básicos, como para não ser morto ou usado como mercadoria?

Outros animais têm características que humanos não têm, como respirar debaixo d'água e voar. Mas elas também não são relevantes para decidir se merecem ou não respeito a seus direitos básicos.

Um comentário:

Andréa disse...

Excelente post, Mao- sem contar a capacidade de sentir dor, que como nós, todos eles têm.

E falando em direitos animais, você já leu "Introduction to Animal Rights: Your Child or the Dog?" do Gary L. Francione? É imprescindível. Não perca. Beijão.