quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Imagem dos defensores dos direitos animais e o livro do professor Tom Regan

Tenho percebido que a imagem que algumas pessoas (ou várias) têm a respeito dos defensores dos direitos animais, como os vegetarianos, é um tanto negativa além da medida. Por isso, vou reproduzir a seguir alguns trechos do livro que estou lendo, do professor emérito em Filosofia Tom Regan: Jaulas Vazias – encarando o desafio dos direitos animais (2006, Editora Lugano).

Nos capítulos que selecionei, o autor fala sobre como os defensores dos direitos animais têm sua imagem bastante distorcida e prejudicada pela grande mídia, influenciada pelas influentes e ricas indústrias que exploram as vidas dos animais não humanos. Assim, também existe o problema de se pensar nos defensores dos direitos animais com alguns estereótipos, como terroristas, negativos e arrogantes. Basicamente o problema é de generalização e interesses financeiros de empresas influentes.

Os trechos selecionados a seguir são cruciais para se esclarecer essas questões.

(Sobre o autor: Tom Regan publicou centenas de ensaios profissionais e mais de 20 livros; ao se aposentar, em 2001, recebeu a medalha William Quarles Holliday, a maior honra que a Universidade do Estado da Carolina do Norte pode conferir a um membro de seu professorado.
Para saber mais sobre a carreira dele, veja o arquivo de Direitos Animais Tom Regan, instalado pela Biblioteca de sua universidade: http://www.lib.ncsu.edu/animalrights/ Contato com ele: http://tomregan-animalrights.com/contact.html .)

A inverdade dos rótulos (p. 12-13)

“Os opositores acham que direitos animais é uma idéia radical ou extrema, e não raramente rotulam os defensores dos direitos animais de “extremistas”. É importante entender de que forma esse rótulo é usado como instrumento retórico para evitar a discussão informada e justa; do contrário, aumentam as chances de não termos uma discussão com esses atributos.

“Extremistas” e “extremismo” são palavras ambíguas. Em um sentido, extremistas são pessoas que fazem qualquer coisa para atingir seus objetivos. Os terroristas que destruíram as torres gêmeas do World Trade Center eram extremistas nesse sentido; estavam determinados a fazer de tudo para conquistarem seus fins, mesmo que isso significasse matar milhares de seres humanos inocentes.

Os defensores dos direitos animais (DDAs ou ativistas) não são extremistas nesse sentido. Vou repetir: os DDAs não são extremistas nesse sentido. Mesmo os mais combativos defensores dos direitos animais (os membros da Frente de Libertação Animal, digamos) acreditam que haja limites morais absolutos para o que pode ser feito em nome da libertação animal: certos atos nunca devem ser cometidos, de tão ruins que são. Por exemplo, a Frente se opõe a ferir ou matar seres humanos.

Em outro sentido, a palavra extremista se refere à natureza incondicional daquilo em que as pessoas acreditam. Neste sentido, os defensores dos direitos animais são extremistas. De novo, deixe-me repetir: os DDAs realmente são extremistas, neste sentido. Eles realmente acreditam que é errado treinar animais selvagens a representar atos para o entretenimento humano, por exemplo. Mas, neste sentido, todo mundo é extremista. Por quê? Porque há algumas coisas às quais todos nós (espero) nos opomos sem restrições.

Por exemplo, todos os que estão lendo estas palavras são extremistas, quando se trata de estupro; somos contra o estupro o tempo todo. Cada um de nós é um extremista quando se trata de abuso infantil; somos contra o abuso infantil o tempo todo. De fato, todos nós somos extremistas quando se trata de crueldade com os animais; nunca somos a favor disso.

A verdade pura e simples é que pontos de vista extremos são, às vezes, pontos de vista corretos. Assim, o fato de nós sermos extremistas, no sentido de termos crenças incondicionais a respeito do que seja certo ou errado, não oferece, por si só, razão para se pensar que estejamos errados. Então a questão a ser examinada não é: “Os DDAs são extremistas?” A questão é: “Eles estão certos?” Como veremos, esta pergunta quase nunca é feita, e, menos ainda, respondida adequadamente. Uma conspiração entre a mídia e alguns fortes interesses se encarrega disso.”

A mídia (p. 13-14)

“Como a mídia procura o que é sensacional, pode-se contar com ela para cobrir direitos animais quando alguma coisa bizarra ou fora-da-lei acontece. Membros da Frente de Libertação Animal (ALF, na sigla em inglês) explodem uma bomba num laboratório. Um ativista contra o uso de peles atira uma torta na cara de Calvin Klein. Este é o tipo de matéria que a gente costuma ver ou ler.

E quanto ao protesto pacífico de ontem, do lado de fora de uma loja de peles, ou à palestra sobre direitos animais na faculdade de Direito na noite passada? Isso raramente é noticiado. Notícias que não sejam sensacionalistas não “sangram” suficientemente para o gosto da mídia. Não admira que o público em geral veja os defensores dos direitos animais como um mero bando de palhaços e de desajustados sociais. Quase sempre, essa é a única mensagem que passa pelos filtros da mídia.”

A política de interesses específicos (p. 14-17)

“O fato de o público em geral tender a fazer uma imagem negativa dos ativistas dos direitos animais não resulta apenas do apetite da mídia pelo sensacionalismo; deve-se também ao material de que a mídia se alimenta, fornecido pelos relações-públicas das grandes indústrias de exploração animal. Por “grandes indústrias de exploração animal”, entenda-se: a indústria da carne, a indústria da pele, a indústria de animais para entretenimento e a indústria de pesquisa biomédica, por exemplo. As pessoas que trabalham nessas indústrias falam com uma só voz, contam a mesma história e usam até as mesmas palavras para denegrir seu inimigo comum: os extremistas dos direitos animais.

A origem do capítulo mais recente dessa história, aqui nos Estados Unidos, não é difícil de encontrar. Foi a publicação, em 1989, de um relatório da Associação Médica Americana (AMA) chamado “O Uso de Animais na Pesquisa Biomédica: O Desafio e a Resposta”. Entre as recomendações da AMA: pessoas que acreditam em direitos animais “precisam ser mostradas como (a) responsáveis por atos violentos e ilegais que colocam em perigo a vida e a propriedade, e (b) uma ameaça à liberdade de escolha do povo”.

Os DDAs têm de ser vistos como “radicais”, “militantes” e “terroristas” que se “opõem ao bem-estar humano”. Em contraste, pessoas sãs, sensatas e decentes devem ser mostradas como favoráveis ao bem-estar animal, entendido como o uso humanitário e responsável de animais por humanos e para humanos.

A estratégia da AMA era simples e inspirada. Se a percepção pública do uso de animais em pesquisas pudesse ser estruturada como uma disputa entre, de um lado, ignorantes extremistas, defensores dos direitos animais, que odeiam humanos e têm um apetite insaciável pela violência, e, do outro lado, inteligentes e moderados cidadãos que são os verdadeiros amigos da humanidade e favoráveis ao bem-estar dos animais, então os DDAs seriam repudiados e a ideologia do uso humanitário e responsável haveria de prevalecer.

Desde 1989, uma enxurrada de press releases, memorandos, e-mails, entrevistas coletivas à imprensa e websites condenando os extremistas dos direitos animais e elogiando os sensatos adeptos do bem-estar animal tem jorrado, direto da AMA e de outros escritórios de relações públicas da indústria de pesquisa biomédica, para as mãos de repórteres, diretores de reportagens e editores.

(...)

Funciona? Será que a mídia faz coberturas tendenciosas por causa de esforços como os da FBR [Fundação de Pesquisas Biomédicas, que produziu uma espécie de “cartilha para jornalistas”]? Antes de responder, vamos imaginar um pouco. Temos aqui um enérgico repórter, com seus quarenta e poucos anos, com a sorte de ter um emprego fixo; seu salário, junto com o da esposa, está longe de cobrir todas as suas despesas, agora que seus dois filhos estão matriculados em faculdades de prestígio. Seu campo inclui pesquisa biomédica. Todo mês ele recebe os folhetos com as dicas da FBR. Todo dia ele recebe a mais recente leva de citações autorizadas de “experts” que apóiam pesquisas usando animais. E em momentos oportunos, ele recebe uma lista atualizada das “atividades criminosas cometidas em nome dos 'direitos animais'”.

Então nos perguntamos: quais são as chances de esse repórter fazer uma matéria justa e imparcial sobre “a última descoberta científica usando animais”? Não estariam essas chances um pouquinho mais direcionadas para uma direção do que para outra? Será que deveríamos mencionar que entre os maiores anunciantes do jornal estão grandes indústrias que usam animais, incluindo interesses economicamente fortes (as grandes companhias farmacêuticas, por exemplo) representados pela FBR? Ou que os fundos de pensão do repórter investem pesadamente nessas mesmas indústrias, assim como os de quem publica o jornal e os do pessoal da editoria?”

(...)

“O fato é que muita gente tem uma imagem negativa dos direitos animais porque grande parte da mídia mostra os defensores dos direitos animais sob uma luz desfavorável.”

Muitas mãos em muitos remos











O chega-pra-lá do “anti”
(p. 229)

“(...) os defensores dos direitos animais são vistos, frequentemente, como um bando de gente “anti”: anticarne, antilaticínios, antipeles, anticouro, anticaça, anti-rodeios. Esta lista continua. Isso é um convite para o familiar “Sim, mas...”: “Sim, eu abraçaria a causa dos direitos animais, mas quem quer ficar rodeado de gente tão negativa?”

Eu não peço desculpas em nome dos DDAs. Nós realmente somos contra todas essas (no nosso modo de ver) abominações, e muitas outras. Mas espero que ninguém se esqueça de que há um outro lado naquilo que valorizamos e em que acreditamos: o lado “pró”. Com raras exceções, os defensores dos direitos animais defendem o amor à família e ao país, os direitos humanos e a justiça, a liberdade e a igualdade humanas, a compaixão, a paz e a tolerância, a consideração especial dos que têm necessidades especiais, um ambiente limpo e sustentável, e os direitos dos filhos dos nossos filhos – nossas gerações futuras.”

O chega-pra-lá da certeza exagerada da própria virtude (p. 232-234)

"Alguns relutantes são desencorajados pela certeza exagerada da própria virtude com que se deparam: “Sim, direitos animais é uma nobre idéia”, dizem eles, “mas veja o que essa idéia faz com as pessoas; faz com que elas pensem que são tão boas, tão puras. Quem quer ser assim?”Eu consigo me identificar com essa reação. Conheço alguns defensores dos direitos animais que se acham tão virtuosos que eu até desvio do meu caminho, só para não ter de lidar com eles.

(...) eu conheço alguns desses defensores que querem que você saiba o quanto você é mau e o quanto eles são bons, quando se trata das roupas que vestem e dos sapatos que você calça. Quer dizer, eu conheci alguns que podem soltar fogo pelo nariz na cara das pessoas que não se vestem direito.

Os defensores dos direitos animais que se comportam dessa maneira não vivem no mundo real.”

A idéia é que “os corpos de literalmente bilhões de animais são intencional e deliberadamente feridos a cada ano”, “a liberdade de centenas de milhões de animais é intencional e deliberadamente negada a cada hora” e “a própria vida de dezenas de milhares de animais é intencional e deliberadamente tirada a cada minuto” por causa da indústria das peles, couro ou lã.

Mas veja o algodão, por exemplo. Por causa dos produtos químicos que são aplicados ao algodão, levados pelas águas, matam peixes e outros animais. E ainda outros animais são mortos quando lavradores mecanizados preparam o solo para o plantio.

Quanto aos sapatos e cintos feitos com couro falso (sintético): são sub-produtos da indústria petroquímica. Isso significa derramamento de óleo, e números incontáveis de animais feridos e mortos.

“Portanto, não: os defensores dos direitos animais não têm razão para se considerar perfeitos exemplos de virtude, como se o mundo fosse dividido entre Puros (esses seríamos nós) e Impuros (esses seriam o resto da humanidade). Moralmente, somos todos matizes de cinza. (...) nenhuma pessoa sozinha fala em nome de todos os defensores.”

[Fontes das imagens utilizadas neste post:
http://www.ringue.blogger.com.br/
http://www.naxoscomercial.com.br
www.svb.org.br/livros/trecho-jaulas.htm
www.ul.pt
historianet.com.br/

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